Não vivo de poesia, vivo a poesia.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Razão, Não

Todos falam da razão
de sua competência
em saber de tudo

Quem tem razão?

Diante de todos os momentos 
mais felizes que já tive
em nenhum deles pensava na razão

Quando se sorri, ninguém 
quer saber de quem foi a razão
ou se ela está presente

As coisas mais loucas e as mais intensas 
Desculpe, mas não pensava em ti:
razão.

Lorena Sabino, Goiânia, 17 de outubro de 2014.


quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O Evangelho Maltrapilho

          Há uma barreira ao amor que merece atenção especial porque é muito crucial ao segundo chamado de Jesus Cristo: o medo. A maior parte de nós gasta tempo considerável adiando coisas que deveríamos estar fazendo ou gostaríamos de fazer ou queremos fazer - porque temos medo de fazer. Temos medo do fracasso. Fugimos dele e o evitamos devido ao nosso desejo desordenado de ser apreciado pelos outros.
          Cada um de nós paga um alto preço por nosso medo de cair de cara no chão. à medida que ficamos velhos seguimos fazendo apenas aquilo que fazemos bem. Não há crescimento em Jesus Cristo sem alguma dificuldade e embaraço. Se devemos nos manter crescendo, devemos permanecer correndo o risco de fracasso ao longo de toda a nossa vida.


          " Enquanto permanecerem lutando por alguma coisa, os homens estarão sempre cometendo erros" - Goethe


          Não estamos dispostos a admitir o fracasso na nossa vida, porque em parte, é um mecanismo de defesa da natureza humana contra suas próprias inadequações. Mas, ainda mais do que isso, por causa da imagem de sucesso que nossa cultura exige de nós. Mesmo que fôssemos capazes de viver uma vida sem conflito, sem sofrimento e sem erros, seria uma existência rasa. O cristão profundo é o cristão que fracassou e aprendeu a viver com isso.
          Que a oração de Nikos Kazantzakis erga-se dos corações num tom apaixonado de amorosa percepção:

              Sou arco em tuas mãos, Senhor.
              Estenda-me, para que eu não perca a utilidade.
              Não me estendas além da conta, Senhor, posso quebrar,
             Estenda-me além da conta, Senhor - e daí se eu quebrar?



O Evangelho Maltrapilho / Brennan Manning. - São Paulo: Mundo Cristão, 2005.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Um Dia

Houve um dia,
Aquele dia,
Quantas lembranças boas,
Intermináveis...
Foi quando alguém
Inusitadamente 
Gritou:
Amanhã há de ser um outro dia,
Um novo dia...
E eu pensei comigo
- Sempre há de existir um outro dia,

Um novo dia para sorrir.
Quantos rostos, 
Quantos lábios,
De que serviriam se não pudessem 
Simplesmente,
Sorrir.

Não Foi Dessa Vez

Não foi dessa vez
que eu consegui
Melhor eu esteja,
na próxima
Eu perdi.
Honra ao mérito
a quem conseguiu
ao menos perdoar
e ser perdoado.

Lorena Sabino, 01 de outubro de 2014.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Mudando o Quadro

     Existe uma força dentro de nós, ela só precisa ser despertada. Eu acredito que as pessoas podem mudar para melhor. A vida é uma constante escola, todo dia é um novo aprendizado. Quem não acredita na mudança, infelizmente está desacreditando de si mesmo. A mesma força que você obtém por acreditar na mudança, deve ser a mesma força na qual te fará mudar. Se acredita pouco, pouco mudará, se acredita muito, muito mudará. Não adianta só acreditar, tem que de fato mudar.
      Na maioria das vezes as pessoas tendem a mudar por necessidade. Mudar o que? Mudar de vida, de pensamento, de caminho, de ideia, de roupa, de casa, de carro. Acontece que, ano após ano, ou somos obrigados a mudar, ou despertamos naturalmente para tal hipótese. Às vezes somos obrigados por uma real necessidade que a vida impõe, reconhecemos essa necessidade e fazemos nossa escolha. Decidimos então mudar, por exigência de um trabalho, de uma faculdade, de uma religião, ou até mesmo por caráter e por educação.
    Todavia, essa mudança que considero para melhor, tem que fazer bem a quem se dispôs ao sacrifício. Mas ora, se é para melhor é claro que fará bem, entendemos que sim, até mesmo porque ninguém consegue permanecer naquilo que não o faz bem. 
       Assim como a vida é feita de fases, o seu processo de mudança também terá fases e obedecerá a um disciplinador chamado tempo. Cada transformação tem o seu tempo, a sua dor, as suas renúncias. Assim como a águia decide se vai viver mais, arrancando suas próprias partes do corpo, para a auto regeneração, não será muito diferente com você. Porque isso não é apenas uma metáfora comparativa é o que de fato a vida é. Mude enquanto é tempo, desperte a força que há dentro de ti. 

OBS: Existem casos onde as pessoas não enxergam a capacidade de transformação, dizem ser impossível, e às vezes é verdade. Mas conheço alguém que um dia decidiu enfrentar um processo não de regeneração, mas de morte, não para si próprio, mas para mim e para você, e esse alguém é Jesus Cristo. Não poderia diante desse pequeno texto sobre mudança e transformação, deixar de falar em quem tem total poder para te fazer um mais que vencedor.

Obrigada!

Lorena Sabino, Goiânia-GO, 12 de agosto de 2014.
                                      

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Se eu não chorasse

Se eu não chorasse,
seria um ser sem alma vagando pelo mundo
Se eu não chorasse,
meu coração padeceria sem emoção
Se eu não chorasse,
minha vida seria uma eterna ingratidão
Se eu não chorasse,
nunca saberia o sabor de uma lágrima de um consolo profundo
Se eu não chorasse,
seria uma presa constante da dor
Se eu não chorasse,
simplesmente não teria forças para depois sorrir.

Lorena Sabino, Goiânia, 23 de julho de 2014.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Kit solidão

               Ninguém gosta de ficar sozinho por muito tempo. Digo, em casa, vivendo só. Quem mora sozinho sabe disso. Ao não ser que seja alguém que goste da solidão e se habitua fácil.
                 Não é qualquer pessoa que consegue, às vezes a solidão tormenta mais do que um estádio cheio de torcedores - não que isso seja algo ruim, só citei como um exemplo.
                A solidão tem seus benefícios, cura a alma. A todo tempo fica-se refletindo sobre tudo e sobre nada. Não existe ninguém para te incomodar, não existe compartilhamento, a TV é só sua, o computador é só seu, a cozinha é só sua. Chega a ficar tão maçante, que quando chega alguém na sua casa e começa a sujar tudo, vai passando um filme na sua cabeça, de tudo o que você limpou e de tudo que vai ter que limpar de novo. Não zombe leitor, foi constrangedor mostrar meu egoísmo.
              Quando ainda não há o que se fazer, procura-se o que fazer. Sempre há o que se fazer, adquira o kit solidão, ou melhor, faça o seu. Faça suas devoções diárias, manhã, tarde, noite, ou de madrugada. Depois outra coisa importante, procure fazer suas próprias refeições, vai adaptando os dotes culinários, cozinhar é uma arte, queimar o arroz faz parte. Depois, tenha consigo seus melhores filmes. Procure filmes que te façam pensar, filmes chocantes, inteligentes, incríveis, ou simplesmente uma comédia ridícula, pode até ser ridícula, mas tem que te fazer rir. Leia, sempre leia algo, escreva, estude, tente adquirir este hábito.
              Depois disso tudo, uma hora ou outra alguém vai aparecer na sua vida, e quando isso acontecer esse tempo seu nunca mais vai voltar, porque a sua vida não será a mesma. Impressionante como não podemos prever o amanhã, impressionante a reviravolta do mundo, impressionante como tudo pode acontecer.

Lorena Sabino

quarta-feira, 4 de junho de 2014

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel Barros 

terça-feira, 27 de maio de 2014

Foi você quem eu escolhi

foi você quem eu escolhi
para bagunçar a minha vida
para estragar os meus dias
converter os minutos em horas
as horas em infindáveis dias

foi você quem eu escolhi
para ser a minha insônia
a cafeína direto na veia
a paixão mais que perfeita
minha dor mais bonita

foi você quem eu escolhi
minha mulher insondável/indomável
a criatura mais cruelmente linda
para que nunca de ti me esqueça
quando não houver mais ferida

Rodrigo Tomé
http://rodrigotome.blogspot.com.br/

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Instante

Esse instante
Resume
O que não é
E o que nunca será
Insignificante
Com olhos fitos
No pensamento
E no horizonte
Mais próximo
Tudo está tão
Intacto
Bato palma
Canto alto
Que é pro
Instante não passar
Lembro de você
Como quero te ver
E te amar.

Lorena Sabino

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Dinheiro

Dinheiro
Dinheiro
A raiz de todos os males
E de quase todos os benefícios

Dinheiro na mão
É claro
É um vendaval

Só é necessário
Tê-lo
Para não tê-lo

O impulso
Eu quero
Não necessariamente
Eu preciso

Mas o que precisa-se
É de uma vida
E que seja boa
E que seja farta

Lorena Sabino, Goiânia, 08 de maio de 2014.


quarta-feira, 16 de abril de 2014

Como Jane Austen pode mudar sua vida

"Jane Austen acertou. Duplamente. Como literatura e como aviso. O amor não sobrevive aos ritmos da nossa modernidade. O amor exige tempo e conhecimento. Exige, no fundo, o tempo e o conhecimento que a vida moderna de hoje não permite e, mais, não tolera: se podemos satisfazer todas as nossas necessidades materiais com uma ida ao shopping do bairro, exigimos dos outros igual eficácia. Os seres humanos são apenas produtos que usamos (ou recusamos) de acordo com as mais básicas conveniências. Procuramos continuamente e desesperamos continuamente porque confundimos o efêmero com o permanente, o material com o espiritual. A nossa frustração em encontrar o "amor verdadeiro" é apenas um clichê que esconde o essencial: o amor não é um produto que se compra para combinar com os móveis da sala. É uma arte que se cultiva. Profundamente. Demoradamente."

João Pereira Coutinho - Colunista da FolhaOnline

Leia na íntegra:
 http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult2707u29.shtml

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Só o Começo

Aqui dentro
e lá fora
Aqui dentro
turbilhões
vulcões
e lá fora
estático
calma
ora assim
e ora o inverso
Aqui dentro
e lá fora
Nós dois
dentro
desse
com
ple
xo 



Lorena Sabino, Goiânia 04 de abril de 2014.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Sua Vida de

Sua vida de
Suavidade
Era como o solo 
De um piano ao fundo

Vital ida de
Vital idade
Vitalidade
Fazia todos sorrirem

Lorena Sabino, Goiânia, 26 de fevereiro de 2014.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Auto-retrato

A maneira de andar
como quem busca
estrelas pelo chão.
A cabeça a dar contra os muros.
Em cada olho, o mundo como um punhal
- cravado.
O pensamento a abrir estradas
numa várzea distante.
Os ângulos do sonho formando orlas
povoadas de fêmeas
que a meu encontro viriam
do outro lado, em lânguidas posturas.
Diante do mar, a sede, a sede
de beber a vida em infinitas viagens.
As garras de gato ante paredes impostas.
A impaciência de que chegue a manhã e a praia,
a tarde e o amor.
A maneira de andar
como a fugir dos homens
- e tê-los contra o peito.
O pensamento a atirar pedras
contra as vidraças
que guardam os produtores frios
de injustiças.
O coração que bate
ao som de fábulas.
Que bate
contra rochedos mortos
numa praia de cinza
onde palpita o primeiro amor.


Coração eterno.
O amor eterno
que bate.
A alegria! A alegria!
Íntima, espantada de si mesma, gloriosa
como palmas a se abrirem aos quatro ventos,
a alegria de sentir-me vivo, a alegria
de bicho do mato, criança, dominada,
eterna.

-Afonso Félix de Sousa

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

-Cecília Meireles

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O Mundo é Um Moinho

Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés

-Cartola

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Colóquio da Dúvida

Dúvidas, tenho todas elas
Certezas, nenhuma delas (por enquanto)
Por suposto,
Tento separar o certo do errado
E logo vem a consciência
- Pare, está tudo acabado
Estava errado
Tento convergir os ânimos
Apenas escrevo
Por isso, ainda prefiro ficar
- Calado!
Pra ser mais claro,
Minhas dúvidas competem
Aos seus sentimentos
Uma hora é fogo
Outra hora é nada
Uma hora é consolo
Outra hora, por Deus
Estou numa roubada?!

João Silva - heterônimo (Lorena Sabino)

Sufoco

, o ventila
dor pend
urado na
pequena
parede g
eme de c
ansaço o
u dor enq
uanto que
aqui no a
ssoalho e
u me enc
olho sent
indo calo
r.

Rodrigo Tomé

 http://rodrigotome.blogspot.com.br/2013/12/sufoco.html

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A Última Crônica

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.

A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho -- um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.

A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura — ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido — vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

Fernando Sabino