Não vivo de poesia, vivo a poesia.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Kit solidão

               Ninguém gosta de ficar sozinho por muito tempo. Digo, em casa, vivendo só. Quem mora sozinho sabe disso. Ao não ser que seja alguém que goste da solidão e se habitua fácil.
                 Não é qualquer pessoa que consegue, às vezes a solidão tormenta mais do que um estádio cheio de torcedores - não que isso seja algo ruim, só citei como um exemplo.
                A solidão tem seus benefícios, cura a alma. A todo tempo fica-se refletindo sobre tudo e sobre nada. Não existe ninguém para te incomodar, não existe compartilhamento, a TV é só sua, o computador é só seu, a cozinha é só sua. Chega a ficar tão maçante, que quando chega alguém na sua casa e começa a sujar tudo, vai passando um filme na sua cabeça, de tudo o que você limpou e de tudo que vai ter que limpar de novo. Não zombe leitor, foi constrangedor mostrar meu egoísmo.
              Quando ainda não há o que se fazer, procura-se o que fazer. Sempre há o que se fazer, adquira o kit solidão, ou melhor, faça o seu. Faça suas devoções diárias, manhã, tarde, noite, ou de madrugada. Depois outra coisa importante, procure fazer suas próprias refeições, vai adaptando os dotes culinários, cozinhar é uma arte, queimar o arroz faz parte. Depois, tenha consigo seus melhores filmes. Procure filmes que te façam pensar, filmes chocantes, inteligentes, incríveis, ou simplesmente uma comédia ridícula, pode até ser ridícula, mas tem que te fazer rir. Leia, sempre leia algo, escreva, estude, tente adquirir este hábito.
              Depois disso tudo, uma hora ou outra alguém vai aparecer na sua vida, e quando isso acontecer esse tempo seu nunca mais vai voltar, porque a sua vida não será a mesma. Impressionante como não podemos prever o amanhã, impressionante a reviravolta do mundo, impressionante como tudo pode acontecer.

Lorena Sabino

quarta-feira, 4 de junho de 2014

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel Barros