Não vivo de poesia, vivo a poesia.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Versos a Corina - VI

No delírio
De te amar — olvidei as lutas e o martírio;
Eras tu. Eu só quis, numa ventura calma,
Sentir e ver o amor através de uma alma;
De outras belezas vãs não valeu o esplendor,
A beleza eras tu: — tinhas a alma e o amor.
Pelicano do amor, dilacerei meu peito,
E com meu próprio sangue os filhos meus aleito;
Meus filhos: o desejo, a quimera, a esperança;
Por eles reparti minh'alma. Na provança
Ele não fraqueou, antes surgiu mais forte;
É que eu pus neste amor, neste último transporte,
Tudo o que vivifica a minha juventude:
O culto da verdade e o culto da virtude,
A vênia do passado e a ambição do futuro,
O que há de grande e belo, o que há de nobre e puro.

Deste profundo amor, doce e amada Corina,
Acorda-te a lembrança um eco de aflição?
Minh'alma pena e chora à dor que a desatina:
Sente tua alma acaso a mesma comoção?

Em vão! Contrário a amor é nada o esforço humano,
É nada o vasto espaço, é nada o vasto oceano!

Vou, sequioso espírito,
Cobrando novo alento,
N'asa veloz do vento
Correr de mar em mar;
Posso, fugindo ao cárcere,
Que à terra me tem preso,
Em novo ardor aceso,
Voar, voar, voar!

Então, se à hora lânguida
Da tarde que declina,
Do arbusto da colina
Beijando a folha e a flor,
A brisa melancólica
Levar-te entre perfumes
Uns tímidos queixumes
Ecos de mágoa e dor;

Então, se o arroio tímido
Que passa e que murmura
À sombra da espessura
Dos verdes salgueirais,
Mandar-te entre os murmúrios
Que solta nos seus giros,
Uns como que suspiros
De amor, uns ternos ais;

Então, se no silêncio
Da noite adormecida,
Sentires — mal dormida —
Em sonho ou em visão,
Um beijo em tuas pálpebras,
Um nome aos teus ouvidos,
E ao som de uns ais partidos
Pulsar teu coração;

Da mágoa que consome
O meu amor venceu;
Não tremas: — é teu nome,
Não fujas — que sou eu!

Poesia, Crisálidas, 1864. Machado de Assis.

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