No delírio
De te amar — olvidei as lutas e o
martírio;
Eras tu. Eu só quis, numa ventura
calma,
Sentir e ver o amor através de uma
alma;
De outras belezas vãs não valeu o
esplendor,
A beleza eras tu: — tinhas a alma
e o amor.
Pelicano do amor, dilacerei meu
peito,
E com meu próprio sangue os filhos
meus aleito;
Meus filhos: o desejo, a quimera,
a esperança;
Por eles reparti minh'alma. Na
provança
Ele não fraqueou, antes surgiu
mais forte;
É que eu pus neste amor, neste
último transporte,
Tudo o que vivifica a minha
juventude:
O culto da verdade e o culto da
virtude,
A vênia do passado e a ambição do
futuro,
O que há de grande e belo, o que
há de nobre e puro.
Deste profundo amor, doce e amada
Corina,
Acorda-te a lembrança um eco de
aflição?
Minh'alma pena e chora à dor que a
desatina:
Sente tua alma acaso a mesma
comoção?
Em vão! Contrário a amor é nada o
esforço humano,
É nada o vasto espaço, é nada o
vasto oceano!
Vou, sequioso espírito,
Cobrando novo alento,
N'asa veloz do vento
Correr de mar em mar;
Posso, fugindo ao cárcere,
Que à terra me tem preso,
Em novo ardor aceso,
Voar, voar, voar!
Então, se à hora lânguida
Da tarde que declina,
Do arbusto da colina
Beijando a folha e a flor,
A brisa melancólica
Levar-te entre perfumes
Uns tímidos queixumes
Ecos de mágoa e dor;
Então, se o arroio tímido
Que passa e que murmura
À sombra da espessura
Dos verdes salgueirais,
Mandar-te entre os murmúrios
Que solta nos seus giros,
Uns como que suspiros
De amor, uns ternos ais;
Então, se no silêncio
Da noite adormecida,
Sentires — mal dormida —
Em sonho ou em visão,
Um beijo em tuas pálpebras,
Um nome aos teus ouvidos,
E ao som de uns ais partidos
Pulsar teu coração;
Da mágoa que consome
O meu amor venceu;
Não tremas: — é teu nome,
Não fujas — que sou eu!
Poesia, Crisálidas, 1864. Machado de Assis.
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